A Previdência que queremos: Pelo respeito ao pacto social de 1988
O sistema de seguridade social brasileiro constitui um marco civilizatório estabelecido pela Constituição Federal de 1988, na qual foi definido um projeto de país em que a solidariedade e a universalidade dos direitoseram reconhecidascomo princípios organizadores. A proteção social garantida por fontes diversas de financiamento (contribuição do governo, dos empregados e das empresas) foi o mecanismo adotado pelas nações mais igualitárias para garantir a dignidade humana do nascimento ao fim da vida.
A “Reforma” da Previdência proposta por Bolsonaro e Paulo Guedes destrói o modelo de sociedade pactuado ao longo do processo de redemocratização – inscrito na Constituição de 1988 – sendo não só injusta, como incapaz de realizar o ajuste fiscal, tidopelo Governo como solução para a crise econômica. A “Reforma” constitui mais um capítulo do projeto, em curso desde 2016, de desmonte do sistema de proteção social de 1988, que, após reiteradas promessas de reformas, continua sem fornecer respostas ao problema da geração de emprego e renda.
Sem a garantia de políticas que estabeleçam as bases para o crescimento econômico, com a reforma trabalhista e a implantação do regime de capitalização individual, a Previdência será dramaticamenteafetada em suas fontes de financiamento,resultando em sua completa desestruturação. A “Reforma” do atual Governo não parte de diagnósticos corretos dos problemas, desconsidera que desde 1989 foram aprovadas mais de seis Emendas Constitucionais e dezenas de legislações complementares que já alteraram o regime inicial, desfigura os mecanismos de financiamento tripartite (governo, empresa e trabalhadores) e empurra o peso do ajuste sobre os que ganham menos. No longo prazo, a Reforma inviabilizará a própria continuidade do INSS e, portanto, deixará à margem um contingente cada vez maior de trabalhadores, mesmo aqueles que já se aposentaram.
Com cerca de 80% da “estimativa” da suposta “economia” proporcionada vinda das restrições de direitos do INSS urbano e rural, do BPC e Abono Salarial, a Reforma incide onde não estão os privilégios – centrados nas cúpulas dos Poderes e na Previdência dos militares – e, simultaneamente, estabelece critérios impeditivosao acesso a esses programas para milhões de trabalhadores que recebem, em média, R$ 1400.
Mais especificamente, a “reforma” tende a excluir uma massa considerável de trabalhadores, porque cria regras equivalentes ou semelhantes às que são praticadas em nações com maior grau de desenvolvimento socioeconômico e desconsidera a realidade do mercado de trabalho brasileiro. A aposentadoria integral, ao exigir 40 anos de contribuição, é inalcançável para a maioria dos trabalhadores. A aposentadoria parcial, ao exigir 20 anos de contribuição, é inalcançável para quase a metade dos trabalhadores brasileiros.
Hoje, mais de 60% dos trabalhadores, em função da informalidade e do desemprego, já não contribuem para a Previdência, terão dificuldades para cumprir as regras atuais, terão poucas possibilidades de cumprir as regras futuras e não contarão com essa proteção na velhice – quadro que tende a se agravar com o avanço da reforma trabalhista.
Com a “reforma”, no futuro, poderá haver pressão em massa para a proteção assistencial, que não exige contribuição. Reconhecendo o caráter excludente da “Reforma” e a consequente corrida para a proteção assistencial, os seus formuladores propõem a construção de uma barreira de contenção fiscal, rebaixando o valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para R$ 400,00.
Com isso, podemos sair da situação atual em que 82% da população idosa têm ao menos o RGPS e o BPC como fonte de renda para um cenário em que esta população não terá sequer essa proteção e viverá com benefício assistencial de R$ 400,00 – ou até menos que isso.Assim, a “Reforma” resultará na desestruturação do amparo social na velhice, na desarticulação da economia de diversos municípios e na ampliação da crise econômica.
Como a redução da renda das famílias mais pobres tende a desaquecer ainda mais uma economia já fragilizada pela política de austeridade, a tendência é que a reforma aumente a recessão e, com isso,o próprio desajuste fiscal, como aliás vem ocorrendo desde 2015. Os benefícios pagos pela Previdência Social são o principal motor da economia de sete em cada dez municípios do país. Das 5.566 cidades brasileiras, cerca de 70% têm os benefícios previdenciários como maior fonte pública de renda, superando inclusive o Fundo de Participação dos Municípios. Portanto, a reforma afetará profundamente a economia dos municípios, especialmente daqueles localizados nas regiões mais pobres do país.
O nosso atual modelo de previdência é o único mecanismo que procura contrabalançar a divisão sexual do trabalho – que destina às mulheres os piores salários, as piores condições de trabalho e as maiores responsabilidades do trabalho não remunerado, representado pela dupla ou tripla jornada. Com a reforma, dado o alto grau de informalidade e desemprego entre mulheres, elas serão as mais duramente afetadas: as taxas de desocupação femininas são superiores às masculinas, chegando ao patamar de 13,5%, em 2018, contra 10,1%, para os homens. Além disso, entre os ocupados, existiam 23,5% de mulheres trabalhando sem carteira, contra cerca de17% de homens nessa condição. Entre a população subocupada, cerca de 54% são mulheres.
A redução dos benefícios referentes à pensão pós morte também afetará de forma mais dura as mulheres, sendo elas as maiores atendidas pelo benefício e muitas vezes responsáveis financeiramente por toda a família. A “Reforma”, ao possibilitar benefícios abaixo do salário mínimo, reintroduzirá na sociedade brasileira a pobreza na velhice como um fenômeno generalizado, afetando sobretudo as populações mais vulneráveis.
O que está em jogo é a desestruturação dos mecanismos de proteção social em nome da utilização dos recursos para a acomodação da política de juros e para a criação de um imenso mercado para o setor financeiro. Em última instância, a “Reforma” é um projeto para instituir a transição da Seguridade Social, baseado na solidariedade,para o Seguro Social, baseado na capacidade individual de contribuição para um sistema de capitalização.
Nem mesmo o impacto fiscal prometido será obtido levando em consideração o custo real não calculado da transição para o sistema de capitalização e a corrida para a antecipação de aposentadorias, que será provocada pelo endurecimento das regras. A Previdência precisa, em primeiro lugar, reconstruir seus mecanismos de sustentação que foram desorganizados pelas desvinculações sucessivas de suas receitas – ou seja, pelo desmonte sistemático da Seguridade Social no Brasil – pelos sucessivos refinanciamentos das dívidas privadas e pela desestruturação do mercado de trabalho – processo que tende apenas a piorar em decorrência da Reforma Trabalhista.
A desestruturação das relações trabalhistas, como um fenômeno típico do capitalismo contemporâneo, tende a colocar no centro do debate a necessidade de se rediscutir os mecanismos de financiamento da proteção social. A Reforma Trabalhista, empurrada com o mesmo discurso da “Reforma” da Previdência, tornou precária a base de arrecadação previdenciária, com a ampliação da informalidade e dos trabalhadores por conta própria, que serão simplesmente excluídos do novo sistema previdenciário. A reestruturação do pacto social de 1988 passa, na atual conjuntura, pela discussão dos mecanismos de financiamento da proteção social, pela reconstrução de sua base de arrecadação e pelos seus efeitos na distribuição de renda.
Retomar o crescimento econômico é condição necessária para a reorganização das contas do sistema de seguridade social. A crise econômica não pode ser usada recorrentemente como desculpa para a aposta em um modelo de crescimento socialmente excludente. Em oposição à alternativa do desmonte apresentada pelo Governo, a construção de um sistema de seguridade social viável no longo prazo passa pela ampliação das fontes de financiamento através de uma estrutura tributária mais progressiva e menos incidente sobre o consumo e a produção e pelo melhor controle sobre as suas receitas.
A Previdência Social não deve ser entendida meramente a partir da lógica fiscalista, intencionalmente desinformada, pois seus benefícios possuem um caráter estruturante da sociedade e da economia brasileira, com grande capilaridade e que servem de anteparo frente ao aprofundamento da crise econômica e do desemprego. Nesse sentido, somos globalmente contrários a reforma da Previdência de Bolsonaro-Guedes e acreditamos que existem outras medidas econômicas a serem tomadas que preservem a aposentadoria e a Seguridade Social, tais como:
Reforma Tributária Progressiva e a Reestruturação das Contribuições à Seguridade Social
Do ponto de vista estrutural, a carga tributária brasileira é extremamente regressiva, isto é, penaliza os mais pobres (impostos sobre o consumo) e não tributa os mais ricos (renda e patrimônio). Essa estrutura contribui para a sensação de se pagar impostos de maneira excessiva no Brasil, tendo em vista sua concentração de tributos em bens e serviços, que afeta proporcionalmente mais a população mais pobre e a classe média. Dois são os fatores que chamam mais a atenção de nosso regressivo sistema tributário:
Estrutura de baixíssima tributação das altas rendas, onde se destaca a reduzida participação relativa da tributação sobre a renda e o patrimônio, que possibilita com que os indivíduos que ganham mais de R$ 320 mil por mês tenham mais de 70% da renda isenta de tributação.
Desalinhamento de tributação entre as diversas rendas do capital e da renda do capital e a renda do trabalho, incentivando o fenômeno da “pejotização”.
A mudança da estrutura tributária em direção a sua simplificação que, necessariamente, deve vir acompanhada por maior incidência sobre renda e patrimônio deve garantir a continuidade dos mecanismos de financiamento da seguridade social.
Revisão das isenções fiscais
Segundo dados da Receita Federal, os gastos tributários projetados para o orçamento de 2019 devem superar os R$ 300 bilhões ou 4,12% do PIB, representando um percentual de renúncia de receitas de pouco mais de 21% da arrecadação federal. O déficit primário projetado para 2019 é de R$ 159 bilhões. Curiosamente, essas isenções raramente são questionadas quando se discute o Orçamento Público, que tem a Previdência Social como componente.
Combate à sonegação de impostos e à elisão fiscal (planejamento tributário)
A sonegação fiscal é um grande problema no país. Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), a sonegação foi estimada em 2016 em mais de R$ 570 bilhões[1].
Para se ter uma ideia da gravidade do dado relativo à sonegação fiscal, o somatório de todos os benefícios previdenciários para 2019 é de R$ 637 bilhões[2]. Ou seja, no limite, o combate à sonegação e parte das isenções fiscais seriam suficientes para cobrir todos os benefícios previdenciários do país.
Proibição dos sucessivos REFIS – programas especiais de parcelamentos de débitos
A sonegação no Brasil, além de não ser crime, é premiada por sucessivos programas de refinanciamento. Desde 2001 foram aprovados s 37 programas desse tipo. Segundo estudo da Receita Federal, os REFIS incentivam os contribuintes a postergar o pagamento de suas dívidas tributárias à espera de um novo programa de parcelamento, com descontos generosos de multa e juros, influenciando negativamente o comportamento dos contribuintes e da arrecadação convencional. É estimado uma perda de R$ 18,6 bilhões por ano na arrecadação de obrigações tributárias correntes, em virtude da publicação de programas de parcelamentos[3].
Apenas o último grande REFIS do governo Temer perdoou R$ 47 bilhões de dívidas de 131 mil contribuintes, conforme divulgado na imprensa, com base em Nota divulgada pela Receita Federal[4]. Com esse valor, seria possível pagar quase 80% do BPC previsto para 2019, estimado em R$ 60 bilhões, e que é alvo central de ataque pelo governo na Reforma da Previdência.
Cobrança da Dívida Ativa da União
A exigência de cobrança da dívida ativa é constantemente alvo de críticas, pois “não resolvem o problema”. Embora não se possa confundir fluxo com estoque (as despesas previdenciárias ocorrem todo ano e a dívida é um estoque finito de recursos), a cobrança eficaz da Dívida Ativa é um aspecto importante no debate sobre a reforma previdenciária.
Segundo dados constantes da Exposição de Motivos da Reforma da Previdência[5], em 2017 o estoque da dívida previdenciária era de R$ 432,9 bilhões. Ainda que não se possa recuperar a integralidade deste valor, não se pode desprezar essa iniciativa. São recursos de empresas e entidades com capacidade de pagamento, que utilizam os programas de refinanciamento do governo, como mencionado anteriormente. Além disso, há um efeito simbólico e pedagógico nesta cobrança.
É necessário garantir melhor estrutura de fiscalização para a Secretaria de Receita Previdenciária, com o aumento do corpo técnico de auditores. Pressionar para a fiscalização e cobrança dessas dívidas é uma parte importante na garantia da viabilidade financeiro do arranjo estabelecido na Constituinte.
O SICIDETO entra na luta contra a reforma da previdência pois acredita que principalmente os servidores públicos serão prejudicados brutalmente, ao passo que a contribuição previdenciária imediatamente proposta passará de 11 para 14%; é justo lembrar que servidores públicos pertencem a um grupo direnciado no tocante à situação previdenciária, os próprios contribuintes são aqueles que mantêm seus institutos tais como: IGEPREV, IMPAR, PREVIPALMAS e etc; portanto não podem nem devem pagar essa conta. Neste sentido nosso Sindicato junta-se aos movimentos de trabalhadores para fazerem a consciêntização da população dizendo um não a esta reforma proposta.